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O mito do pinto de ouro e o que as feministas estavam pensando

Ser mulher consistia - e até hoje para certas classes patriarcais consiste - , em estar em casa, cuidando de seus filhos, manter o silêncio mediante as opiniões, mediante as situações que desde os primórdios são “coisas de homem”. Ser mulher consistia em estar de cabeça baixa as ordens dos que se achavam superiores a nós, estar bem arrumada, maquiada e sorrindo – porque mulher de verdade não fica triste-. Ser mulher era, e ainda é para alguns, essas suposições absurdas, essas falsas e estereotipadas verdades, que não passam de puro preconceito, machismo.

Quando iniciei Feministas: o que elas estavam pensando, particularmente não dava nada por aquele documentário. Como um simples filme poderia mudar minha visão? Infelizmente não tenho muito a fazer hoje, no século XXI, quando vivo. Assim que comecei a assistir, um livro com fotos me foi apresentado, um livro com fotos de mulheres que instantaneamente me deixaram com inveja por viverem um momento que transpareciam estar empoderadas, donas de si, vencendo seus problemas. De fato, tal movimento ainda habitava suas almas e outros desabrochavam, entre seus corpos livres e nus, selvagens e peludos, aos quais orgulhavam em mostrar. Porém, mais a frente, assim que estas contaram suas histórias vários anos depois daquela foto, daquele momento, eu entendi.

Vivemos num século onde tudo de certa forma soa mais fácil, e diferente do que eu havia visto, aquelas mulheres brandavam tal expressão de valentia devido o fato de que se não o fizessem, cairiam por água abaixo. Exibiam seus corpos não como um sinal sexual, mas como um sinal de aceitação, representatividade. E seus pelos, aqueles tão vistos de maneira desleixada por muito tempo, eram partes do que eram, e tá tudo bem.

Aos poucos ao longo do documentário comecei a notar como tenho uma certa sorte em viver no hoje, e como certas dúvidas sobre se sou realmente feminista abalam tantas outras, que só mostram uma mesma indignação. A automaticidade de responder ou abaixar a cabeça a um superior, ao ato de acatar ordens ou se sentir na obrigação de não ser rude, não ferir os sentimentos ou expor nossas verdadeiras opiniões. Ao ato de ouvir absurdos e mesmo assim deixar passar...Isso me faria menos feminista? Mas assim como puder ver através dessas poderosas mulheres, desconstruir é um papel árduo, e essa desconstrução começa em nós. Quando compreendemos nosso papel e o fato de não precisarmos de ninguém além de nós quando se trata das decisões, podemos finalmente ver aquilo que somos, e o quanto estamos e fomos influenciados pela sociedade que nos cerca.

Movimentos feministas nunca foram fáceis. As mulheres nem sempre podiam sair pelas ruas ou assumir certos cargos. Alguns lugares davam cursos que ensinavam como lavar a louça e agradar ao marido, e para as poucas que estudavam, isso era obrigatório. Mulheres não conheciam prazer, eram vistas como maquinas de filhos, pedaços de carne a mercê do prazer alheio, a mercê do homem. Mulheres só são mulheres se maquiarem. Mulheres só são mulheres se souberem cuidar de uma casa. “Sua obrigação é ter filhos,” como uma delas diz, quando falou ao pai que gostaria de ser artista e este não se importou, pois disse que logo, logo ela desistiria e casaria.

Naquele livro a qual citei no inicio e disse ter sentido inveja, atribui jovens significados. Parei para pensar o quanto faço por nós, mulheres, hoje perante nossas desigualdades, e percebi tristes dados que o impacto do movimento, mesmo depois de décadas, é relativamente baixo. Ser mulher é um ato de resistência.

Muitos âmbitos trazem esse patriarcalismo embutido. Cristo criou Adão a sua imagem e semelhança, quando Eva, era sua subordinada. A mulher deve ser a auxiliar do marido na casa, e não a principal provedora. Mulheres negras não devem apoiar o movimento feminista, estariam dividindo a sociedade, e entre inúmeros outros argumentos tratados no documentário, me vi raciocinando coisas as quais percebi ter impulsos feministas e que ainda não havia reconhecido.

Não existe essa de auxiliar! Existe igualdade, independência! E quando me deparei com todos aqueles manifestos, me senti parte disso, mesmo que de longe. Onde estariam hoje nosso desejo por mudança? Enterrado nas inverdades da religião? Da manipulação? Meninas que habitam pequenas cidades e se casam assim que terminam o ensino médio, como se aquilo fosse tudo ao qual desejaram para si. Mulheres negras que são julgadas por estarem envolvidas no movimento feminista e antirracista, pois “não devemos dividir o movimento, não pode se envolver com essa maioria branca que não sabe pelo que lutamos e põe os homens como algo ruim, que incitam a superioridade feminina”. Não. Nunca foi sobre superioridade afinal. Trata-se da igualdade, da necessidade, da inclusão.

O poder é sempre do homem branco. O poder é instável quando se trata de mulheres, ou falso, como uma das que aparecem no álbum, já senhora, diz, ao narrar sua experiência com seu marido. Expulsa da banda pelo próprio conjugue por ter um caso fora do casamento (algo que ele tinha aos montes e abertamente), vê que tudo aquilo que acreditava ter quando estava cantando era falso, e depois disso, perdeu todo o dinheiro, toda a fama, tudo que acreditava ter. E esse falso poder que lhe foi dado a mostrou que o poder dado pelo seu marido era uma mentira se comparado ao que ela poderia conquistar sozinha. E foi isso que fez.

Quando dentro do seu próprio âmbito (já nos dias de hoje) tem-se ações como essas, algumas pessoas podem julgar isso absurdo, já que “se esse movimento é tão bom e relevante, não deveriam mais ocorrer cenas de machismo” mas, quando uma jovem cineasta é excluída do próprio prêmio, das fotos e toda a gloria recai sobre o ator, temos consciência do quanto isso ainda é urgente.

Ser mulher nunca se tratou de ações básicas. É uma rede de intensas sensações e reivindicações, onde salários ainda não se fazem iguais, onde personalidades como Frida Khalo são subjugadas a pura aparência e ridicularizadas, sem qualquer visão do que fizeram. Onde bundas e peitos são mais importantes que conteúdos, e expostos e sexualizados ao extremo. Onde lésbicas são tratadas como animais, aberrações, mas apresentadas em primeiro nas pesquisas de sites pornô. Onde amar é fruto de luxo, e amar alguém do seu mesmo gênero é motivo de ódio, muitas vezes pelos mesmo que dizem “ame ao próximo como a ti mesmo”, eu diria que falta um amor próprio aí, não é??

Mulheres, guerreiras, únicas. O símbolo ecoa pela nossa pele, pelo nosso ser. Somos mais que bucetas e peitos, sexos e dramas. Somos mais que essa figura de princesa indefesa, dessa falsa necessidade de ser delicada. Não somos vestidos e maquiagem, não somo cabelos longos e corpos perfeitos, não somos submissas ou obrigadas a ser mães. Somos fruto selvagem. Temos pelos sim! Suamos sim! Peidamos, arrotamos e fazemos tudo que consideram “tabu” uma mulher fazer. Amamos sim outras mulheres, daí que não geramos filhos juntas? A vida é mais que a necessidade de perpetuar a espécie. Nos negam direitos, fazendo ter filhos como se estes tivessem sidos gerados somente por nós. Nos fazem cometer atrocidades com nossos próprios corpos, pois quando se olha na política somente homens brancos e conservadores votam pelo nosso direito de usufruir da frase “meu corpo minhas regras”. Somos expostos a pressões, ao estupro, violação, diminuição, somente porque nossas genitálias não são protuberantes.

E depois de tudo o que vi e ouvi com Feministas: o que elas estavam pensando? Me sinto totalmente capaz de responder a isso. Quando criaram a womanhouse, quando se juntaram e exibiram nas suas poesias, nas suas artes o que elas tinham a dizer, elas estavam pensando justamente em ser elas mesmas, como ninguém nunca permitiu que fossem, porém, como elas sempre foram mesmo assim.




Sobre o documentário:

"Em 1977, um livro com retratos foi lançado chamado 'Emergence' pela fotógrafa Cynthia MacAdams, que capturou mulheres abraçando o feminismo ao se livrar das restrições culturais. O documentário revisita essas fotos e essas mulheres, e contém entrevistas com mulheres como Jane Fonda , Lily Tomlin e Judy Chicago , e ao mesmo tempo aborda temas como identidade, aborto, raça, infância e maternidade.

O filme discute a contribuição de filmes como "9 às 5" e o surgimento de obras feministas como The Dinner Party com algumas das pessoas envolvidas. O filme inclui a contribuição significativa de mulheres lésbicas para o feminismo, mas é notado que perdeu a oportunidade de incluir mulheres trans . Erika Voeller do Mpls MadWomen observa que as mulheres de cor no documentário expressam frustração com o equilíbrio de suas múltiplas identidades dentro do movimento, mas que o documentário perde uma oportunidade de mergulhar mais profundamente no feminismo interseccional."




Disponível na Netflix.


FEMINISTS: WHAT WERE THEY THINKING?. Direção: Johanna Demetrakas. Produção: Johanna Demetrakas, Lisa Remington, Gretchen Landau, Jeryl Jagoda. Estados Unidos: Netflix, 2018. Netflix.







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